Tolerância é um termo originário do latim que significa “suportar” ou “aceitar”. Tolerância é pilar imprescindível quando se quer viver bem em sociedade ou se viver em sociedade de bem.
Voltaire já no século XVIII publicou várias obras em defesa da Tolerância, mas talvez ainda hoje precisemos ler muito mais sobre isso. Voltaire afirmava que: “Sem a tolerância, o mundo continuará desordenado e que o melhor meio para diminuir o número de maníacos, se ainda restam, é de confiar esta doença do espírito ao regime da razão, que lenta, mas infalível ilumina os homens”.
Talvez, sempre tenhamos vivido em sociedades intolerantes, afinal somos animais humanos e trazemos conosco a intolerância enraizada. Mas trazemos igualmente a capacidade e possibilidade de pensarmos de forma mais elaborada mesmo esta se fazendo em confronto com nossos instintos.
Tolerância não é um simples aceite das coisas e fatos e pessoas como estes se apresentam, mas sim um ato de respeito acima de tudo; um ato que exige reflexão, racionalidade. E como tal, não se pode esperar que isto apenas “brote” como passe de mágica nas pessoas, não se dá assim. Como qualquer ato de reflexão ou racionalidade, ela exige que venha a ser ensinada e praticada desde tenra idade, nas mínimas e ínfimas atitudes, falas e comportamentos de cada criança a ser formada, de cada um de nós em 100% de nosso tempo.
E é neste ponto que talvez a tolerância se faça inatingível na sociedade atual, uma vez que tolerar é abrir mão do individualismo, egoísmo e do egocentrismo, fatores marcantes nos dias de hoje. Mas o individualismo, assim como o egocentrismo e egoísmo, apesar de num primeiro momento parecer trazer vantagens, no médio e longo prazo estes se fazem altamente destrutivos de relações humanas e nesta destruição instala-se o medo, a insegurança. Pois somos seres sociais por princípio.
Com o medo vem a agressividade e violência como forma instintiva de se obter sensações de proteção. Para nós está difícil entender a amplitude de se viver num mundo globalizado que expõe contradições, diferenças em todas as áreas, desde morais éticas, religiosas e políticas. Se num passado não tão distante na história humana estas diferenças ficavam fisicamente longe, hoje elas estão do nosso lado, nos exigindo posturas civilizadas o tempo todo.
Mas nem todos sabem suportar tamanha pressão sobre suas crenças, valores, ideias e ideais de vida. Parte significativa da população não tem preparo emocional, cultural e psicológico para tanto. Estamos num impasse interessante, como resolver esta situação? Será mesmo possível superar? Ou teremos que retomar ao estado de barbárie, que muitos grupos insistem em fazer mostrar presente ainda nos dias de hoje?
Estamos todos confusos, levados por emoções e distanciados de razão. Vemos falas de desaprovações, de repúdios fortes quando se referem aos atentados na França, nos EUA, na Turquia, etc. Falas coerentes e dignas, reprovando-se tais comportamentos covardes e criminosos.
Toda mídia internacional divulgou estes ataques, medidas severas foram ainda mais implantadas. Ondas ainda maiores de islamofobia cresceram em quase todo o mundo. Compreensível. Mas o que dizer quando, ao se analisar os fatos, a realidade, constata-se que este nomeado Estado Islâmico mata muito, muito mais muçulmanos do que qualquer outro ou outros grupos religiosos juntos? Como justificar esta onda “islamofóbica?”.
A tolerância necessária para se construir um mundo mais digno, mais civilizado não passa por tolerarmos apenas os iguais em cor, raça, religião ou falta dela, local de nascimento, preferências sexuais, etc. e etc. Passa por tolerar o outro ser humano como um todo, respeitando suas diferenças. Sabendo, contudo que tolerar não é aceitar cegamente atitudes covardes ou criminosas, mas sim saber identificar inteligentemente os responsáveis, sem se partir para generalizações.
A meu ver, a maior dificuldade para se criar uma sociedade tolerante, está em que esta sociedade deve ter como pilares básicos a educação cultural e científica. Uma educação que ensine que diferenças religiosas são possíveis e até mesmo saudável que se tenha, permitindo-se a cada um escolhas para embasar suas crenças. Educação científica que ensine às pessoas que existem bases neurológicas responsáveis pelas escolhas sexuais, que isto não é doença e nem muito menos desvios de condutas. Educação para ensinar civilidade e cidadania, respeito e compaixão.
Mas, em pleno século XXI, insistimos em viver o conceito de tolerância que existiu até o ano de 1572, quando tolerância era sinônimo de fraqueza, subserviência, inferioridade, tendo sido mudado este conceito e valor após o massacre de protestantes pela igreja católica naquele ano de 1572, e não como sendo algo sublime e admirável.
Por mais quanto tempo, por mais quantos massacres continuados teremos que compartilhar, assistir, viver para que possamos vir a entender a necessidade de mudança neste conceito de tolerância?
Neste momento ao se viver o individualismo num mundo globalizado não nos damos conta de que isso interfere não apenas na tolerância para com o diferente distante, de outro país, cultura ou crença, mas cada dia mais nos tornamos intolerantes também para com o diferente próximo e cada dia mais e mais próximo, pois à medida em que sou individualista, todos se tornam um ser diferente de mim e assim um ser a ser intolerado, independentemente se este outro é um colega de trabalho, esposa, marido, filho, pais, educadores, etc.
É um momento de reflexão para cada um de nós, refletindo sobre nossas atitudes, comportamentos, formas de julgar, condenar. Não há possibilidade de exigirmos uma sociedade mais tolerante e civilizada enquanto nossos próprios pensamentos e atitudes não o forem.
Eduardo Biancalana é Psicólogo Clínico e Evolucionista e Palestrante
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